APOGEU LITERÁRIO

"Já não sei mais falar de amor, só sei sentir!"

Anjo Negro



O AMOR 

 

O amor, quando se revela, 
Não se sabe revelar. 
Sabe bem olhar pra ela, 
Mas não lhe sabe falar. 

Quem quer dizer o que sente 
Não sabe o que há de dizer. 
Fala: parece que mente 
Cala: parece esquecer 

Ah, mas se ela adivinhasse, 
Se pudesse ouvir o olhar, 
E se um olhar lhe bastasse 
Para saber que a estão a amar! 

Mas quem sente muito, cala
Quem quer dizer quanto sente 
Fica sem alma nem fala, 
Fica só, inteiramente! 

Mas se isto puder contar-lhe 
O que não lhe ouso contar, 
Já não terei que falar-lhe 
Porque lhe estou a falar...

 

Fernando Pessoa

Entrelaçados,
Tecido e pele a acariciar 
no espaço que nos aconchega...
Envolvidos,
nos tornamos cúmplices... 
sentindo o momento passar,
E ele passa lentamente...
O sol se esconde
A lua desponta
Articulando alguns sonhos
E aguçando outros.
Até tudo ficar claro... 
Que alegria!
Me perder no seu esplendor
e no calor oferecido...
até o raiar do dia.
Tão disponível, 
Insinuante...
Estonteantemente excitante! 
Sem hesitar, sei onde o encontrar...
Sempre pronto
me recebe...
Me alucina! 
Causando a melhor das sensações
... prazer desmedido!
Junto a ele me entrego
e do tempo, nem me lembro!
Num terno deleite 
me faz sua refém.
Me desmancho 
Encontro abrigo... 
Carinho retribuído!
Com os sentidos aguçados, 
seguido de profundo relaxamento...
flutuo...
Delirante contentamento!
Em nada mais penso...
Depois de um dia puxado,
é com quem mais desejo ficar!
Deitar... rolar... descansar...
e até me encontrar!
Não demora e... adormeço.
"Ah! Querido e delicioso... sofá!"
Eu mereço!

***
Serena


FOTOGRAFIA
Enquanto passeava,
num atapetado de folhas
 que se desfazia sob o meu calçado,
o meu olhar distraído e vago
foi desperto para ela...

Ali estava ela,
diferente de todas as outras…bela!

E, neste meu encanto,
de tanto que ela era diferente,
eu fui-lhe completamente indiferente…
nem uma só vez senti
que ela me quisesse
mas eu tomei-a nas minhas mãos
e apoderei-me dela
como se minha ela quisesse ser,
não querendo...

Toquei na sua pele,
virei-a do avesso,
senti seu cheiro a mel
apaixonei-me, confesso!
Protegendo-a com mil cuidados,
evitando o olhar alheio,
os meus passos tresloucados
fugiram do meu passeio…

Finalmente, em porto seguro,
abraçando-a febrilmente,
fiz de mim um homem puro
e desejei-a ardentemente!
Deitei-a e fiz-me sua glória
sem saber se o desejava ou queria
e guardei o momento numa memória
chamada fotografia.

Aqui está ela!
A folha que, não sendo minha, sou eu dela...

(Palavras e imagem minhas) - Vítor Costeira

#Natureza #Fotografia #Folhas #Árvores 


PAIXÃO INEVITÁVEL

 

Que se apaixonar é inevitável, e que as melhores provas de amor são as mais simples. Um dia percebemos que o comum não nos atrai, e que ser classificado como bonzinho não é bom. Um dia percebemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você. Um dia saberemos a importância da frase: "Você se torna eternamente responsável por aquilo que cativa". Um dia percebemos que somos muito importante para alguém, e que não damos valor a isso! Que homem de verdade não é aquele que tem mil mulheres, mas aquele que consegue fazer uma única mulher feliz! Enfim... um dia descobrimos que apesar de viver quase um século, esse tempo todo não é suficiente para realizarmos todos os nossos sonhos, para beijarmos todas as bocas que nos atraem, para dizer tudo o que tem de ser dito. O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutamos para realizar todas as nossas loucuras!

 

MARIO QUINTANA


Chorar não resolve, falar pouco é uma virtude, aprender a se colocar em primeiro lugar não é egoismo. Para qualquer escolha se segue alguma consequência, vontades efêmeras não valem a pena, quem faz uma vez, não faz duas necessariamente, mas quem faz dez, com certeza faz onze. Perdoar é nobre, esquecer é quase impossível. Quem te merece não te faz chorar, quem gosta cuida, o que está no passado tem motivos para não fazer parte do seu presente, não é preciso perder pra aprender a dar valor, e os amigos ainda se contam nos dedos.


Aos poucos você percebe o que vale a pena, o que se deve guardar pro resto da vida, e o que nunca deveria ter entrado nela. Não tem como esconder a verdade, nem tem como enterrar o passado, o tempo sempre vai ser o melhor remédio, mas seus resultados nem sempre são imediatos.

 

CHARLES CHAPLIN


AMIZADE INSEPARÁVEL

 

Eu talvez não tenha muitos amigos. 
Mas os que eu tenho são os melhores que alguém poderia ter. 
Além disso tenho sorte, porque os amigos que tenho têm muitos amigos e os dividem comigo. 
Assim o meu número de amigos sempre aumenta, já que eu sempre ganho amigos dos meus amigos. 
Foi assim aqui, uns eu ganhei há tempos, outros são mais recentes. 
E quem os deu não ficou sem eles, pois a amizade pode sempre ser dividida sem nunca diminuir ou enfraquecer. 
Pelo contrário, quanto mais dividida, mais ela aumenta. 
E há mais vantagens na amizade: é uma das poucas coisas que não custam nada e valem muito, embora não sejam vendáveis. 
Entretanto, é preciso que se cuide um pouco das amizades. As mais recentes, por exemplo, precisam de alguns cuidados... Poucos, é verdade, mas indispensáveis. 
É preciso mantê-las com um certo calor, falar com elas mais amiúde e no início, com muito jeito. 
Com o tempo elas crescem, ficam fortes e até suportam alguns trancos.

Prezo muito minhas amizades e reservo sempre um canto no meu peito para elas. 
E, sempre que surge a ocasião, também não perco a oportunidade de dar um amigo a um amigo, da mesma forma que eu ganhei. 
E não adiantam as despedidas, de um amigo ninguém se livra fácil. 
A amizade além de contagiosa é totalmente incurável.

 

 

VINÍCIUS DE MORAIS


NO FUNDO SE ESCONDE...

 

Impossível percebê-lo assim...

Tão acuado distante, tão perto, do fim!

São boatos circulando por aí!

 Não se sabem sua origem, e pelo autor estão procurando...

Deem continuidade as teses  inacabadas, um novo nome esta se levantando.

Quem pode colocar-se diante dos olhos amigos, e se manter estranho?

Ou palavras são ditas, para que se oculte o que estão pensando!

Talvez os gestos sejam únicos originais, e também a mais pura expressão dos sinais...

Um abraço não e tão espontâneo quanto uma frase!

Odiar e abraçar é pedir demais.

Seja breve e que seu beijo seja leve!

O que  veem em cada gesto, é apenas o que querem mostrar,

mantenha em segredo seu protesto!

E que eles  a  sua volta, se sirvam de restos...

Na verdade o melhor e mais precioso de cada um esta muito bem guardado...

Só o que procuram devem ter encontrado!

Procure o melhor dentro de cada um...

Melhor!

Se quiserem, se pedirem ou se merecerem, para jamais te esquecerem!

Depois de ter feito tudo isso, ainda assim insistirei, em reafirmar e a buscar,

já sei aonde...

Sei que tem mais!

 muito mais e

                      No fundo se esconde.... 

 

Autor: Lourisvaldo Lopes


SER MEU BARCO E MEU BARQUEIRO


Da mágoa, fiz-me prisioneiro…
em prisioneiro, desfiz-me em água…
na água, encontrei um madeiro…
do madeiro, fiz uma jangada…
na jangada, encontrei a salvação…
da salvação, fiz uma estrada…
na estrada, encontrei um balão…
com o balão, inventei uma quimera…
da quimera, fiz uma enorme asa…
com a asa, voei para uma Primavera…
na Primavera, construí uma casa…
da casa, fiz um poderoso castelo…
do castelo, fiz uma medonha prisão…
na prisão, surgiu a triste mágoa…
da mágoa, fiz-me prisioneiro…
em prisioneiro, desfiz-me em água…
e na água, encontrei um madeiro…
do madeiro…

Basta! Não quero mais mágoa,
nem quero ser o meu prisioneiro!
Quero ser o barco e o barqueiro
e que a estrada se faça água
e eu rume a um porto de abrigo
que me receba doce amante,
no aconchego do instante,
que me receba eterno amigo!

AUTOR: Vítor Costeira
IMAGEM: Autor desconhecido


ESTRELA DO MEU MAR SERÁS...

(poema quase-erótico)


...e, logo,
quando as sombras me disserem
que me esperas sem o saberes,
vou enlaçar-te com fitas de veludo,
como presente que és,
desde as pontas dos cabelos
até encontrar as pontas dos pés,
salpicar-te com pós de canela,
aroma de macela
e prender-te com argolas de chocolate
até caramelo seres
e nos meus dedos derreteres!

Depois, vou tocar-te...
não de vez
mas, sim, à vez.
Toco-te, amor e mel,
pele na pele, 
língua na pele
com a pele da língua,
com plumas, com pálpebras,
cubro-te com o meu corpo,
amo-te com o meu amor,
lavo-te com o meu suor...

e...
quando, por fim, desfaleceres,
solto os laços,
em doces abraços,
mas sem pressas,
numa orgia tua e minha
que líquida nos inunda
até te sentir florzinha,
e sorrir moribunda!

Aí... ressuscitar-te-ei, sim,
num êxtase final,
numa entrega muito bela
senão mesmo angelical
e, num oceano profundo,
no fundo do fundo,
no meio de algas e corais,
desejarás mais e mais!

… mas, por ora, respirarás
e estrela do meu mar
serás!

 

AUTOR: Vítor Costeira
IMAGEM: Andrew Gonzalez


De um jeito encantador,
Façanhamente discreto,
Esbanja sutileza, simpatia e vigor.
É, portanto, o predileto.
De vez em quando, 
como um heroi de ocasião,
brinca como uma criança,
se fazendo de fujão...
Mas também tem pinta de bom moço,
já que isso lhe convém,
Sempre envolvido numa desculpa...
a de não pertencer a ninguém.
Pode ser que não perceba,
Que da vida sabe, sim, aproveitar
Aprecia uma boa companhia
E nem precisa sair do lugar...
Me entrego a contar com a sorte
todos os dias ao vê-lo passar...
Mas já me fez ficar esperando
como quem diz... "Volto já!"

É, contudo, um viajante,
segue em frente... decidido!
De vez em quando fica distante
E dá uma de arrependido.
Me deixando preocupada,
por, de repente, tê-lo perdido.
Quem não se importa, já o conhece...
Perdoa e está tudo bem!
Esse seresteiro rebelde
Já fez da Lua, sua refém!
Mas tem luz própria... É como o Sol!
Oferecendo a todos um novo despertar...
Seu sorriso, como um poema,
Faz o dia iluminar.
Nele se inserem emoções serenas
doces como um beijo e profundas como o olhar!
O passado lhe condena,
Mas o futuro... somente ele dirá!

Seu grito, no silêncio...
ecoa pelo horizonte sem fim.
Atravessa campinas, oceanos e até o deserto...
Traça linhas em que plebeia vira princesa
e o longe, fica mais perto!
Em sua bagagem carrega sonhos...
o suficiente para seduzir,
Cantando melodias ao vento,
seja aqui ou... ali,
dá sentido à vida, pelo simples fato do existir...
Sabe dançar...é animado!
Possuidor de talentos variados!
Entende línguas de outros lugares,
com curiosidade, vai somando aprendizados.
Abraça os continentes e mares...
Juntos estão sincronizados. 

Quantas qualidades possui!
Nele não vejo nenhum defeito.
Me ensinou a entender o que é possível,
E nem por isso se dá por satisfeito.
Com ele me faço feliz,
Mas, se faz de difícil... não tem jeito!
Às vezes, mesmo temperamental,
todos o querem por perto...
pois é da sua excêntrica "imperfeição"... 
valorizar os momentos... Como é esperto!
Esse ser  misterioso é uma incógnita...
Chamo-o de agora, hoje, presente...
e até de passado...
Chamo-o sempre, pois ele é o TEMPO!
Nossa história, escrevemos juntos... lado a lado.
Meu coração lhe pertence,
e de espaço está repleto...
Sou a ESPERANÇA, não tenho pressa...
Junto a mim, se torna completo...
Não existe razão alguma
pra deixar de ser o meu predileto.

*******
Serena


ELA PENSOU QUE EU ESTAVA ALI...

 

Quando ela ouviu, o silencio da solidão

me abraçou.

Se deitou sobre o meu peito,

e o meu coração ficou ouvindo.

Adormeceu na saudade,

e me amou como se eu estivesse ali.

Buscou nos sonhos a minha presença

e me encontrou.

 

E me pediu pra ficar.

(E, eu fiquei)

 

Deixou que seus cabelos escondessem o seu rosto,

recusando abrir os olhos.

(Estava com medo de acordar)

As tuas mãos me prometeram-na.

E, eu a quis,

 e com amor maior ainda,

eu a amei.

A amei como sempre a desejei,

Mas a força, deste amor a acordou.

Ela se viu sozinha,

quando enfim, descobriu que 

não conseguiria viver sem mim.

Ela estava me procurando,

mas eu não estava lá.

Estou sozinho, e acordei pensando nela,

acreditava que ela estava aqui.

Mas ela não está.

 

(Lourisvaldo Lopes da Silva)


O FAZ DE CONTAS SOU EU

Catador de estrelas, mostre que me tens apreço e roube a lua para mim!
Traga-a embrulhada num manto dourado e minta ser um querubim.
Finja que é meu namorado e me faça este gosto.
Me presenteie num dia de festa e devolve a alegria ao meu rosto.
Suba até os altos céus e, te faças merecedor de minhas preces.
Coloque em meu dedo um anel e aos meus braços te apresses.
Posto que tanto amor contido tem me feito o peito sofrido.
Não sei mais até quando suportarei esta desventura,
Amar tão apaixonadamente irresponsável criatura.

Liz


ESPERA POR MIM... SIM?


Espera!...
Espera, um pouco mais, por mim!
Mas não, não esperes de mim 
nada que eu não saiba dar,
nada que eu não possa dar…
e é tanto tudo o que eu não sei!...
E é tanto aquilo que eu não posso!...

Mas… espera… 
sim, espera que eu te dê
tudo o que sou, tudo o que tenho!
Não esperes tanto de mim
que te sintas vazia
com tudo o que não te dou...
Espera, para que eu entenda em ti
a razão pela qual eu nasci,
mas não esperes muito mais de mim,
porque eu nada mais sou,
eu nada mais tenho…

Não esperes de mim pérolas de chuva
nem que te dê um mundo inteiro
de momentos sempre sorridentes,
não consigo dar-te o Sol,
levar-te à Lua 
ou cobrir-te o corpo com estrelas
isso é tudo coisas de poetas,
dos melhores poetas,
mas eu sou apenas um ser comum,
não sou um Romeu,
não nasci Adónis,
não sou mago
nem sei encantar…
sou este que aqui tens
e que não pára de falar!

Não quero dar-te sonhos,
não quero tirar-te sonhos,
quero que sonhes,
quero que sejas feliz com os sonhos
mas com os sonhos que quiseres ter,
quero que sejas livre para escolher,
para escolher os sonhos e a vida…
mas, se acaso for eu o teu sonho,
então escolhe-me!…

Abraça-me e faz-me sentir teu
e esse teu sonho serei eu!
Não esperes tanto de mim…
não, não esperes…
mas espera por mim… 
espera, sim?!...

 

AUTOR: Vítor Costeira


 

O TEMPO CHEGOU AO FIM ...

 

Como se fosse uma doce vingança…
fizeste-me sentir criança,
menino ferido e assustado,
numa adolescente despedida,
numa amargura já sabida, incontida,
e selaste o solene planeado momento,
como folha seca ao vento,
com o único abraço
que alguma vez saboreei de ti…

… e no afastar dos teus passos,
fria e curiosa olhaste para mim
para teres a certeza
de que era forte a minha fraqueza,
de que a dor infligida era profunda,
tão funda quanto largo
e tão belo quanto amargo
é o Tejo que visitaste,
a quem te prometeras
e a quem oferendaste,
a página de um livro que rasgaste,
depois de te confundires com a multidão,
até deixares de ouvir
o descompassado bater do meu coração
e liberta, então, poderes rir…

… e sem sentires nem te aperceberes
que muito tempo antes de ti,
já houvera uma fria mulher
que substituíra o abraço por um adeus
e, assim, me preparara sem o saber
para este imenso momento de sofrer,
voaste, ave daquele jardim, triunfante,
para o teu ninho e solitário amante!

Não voltarei ao banco do jardim,
nem, deliciado, apreciarei
o estremecer nervoso do teu queixo,
nem lerei poemas que falem de sombras,
nem serei companheiro do teu caminhar
enquanto o rio não se fizer mar…

Na verdade, de nada me lamento…
Fui, por momentos, adolescente
e até na despedida fui inocente
no beijo que cândido deixei em ti,
no licor do beijo que deixaste em mim…

O tempo chegou ao fim
e não há mais poemas para escrever.
Fechaste a história quando quiseste
e não porque eu quis…
só assim poderias ser f(eliz)!

AUTOR: Vítor Costeira


01 de julho de 2016

 

Expergiscere - Despertai

Estou no centro da cidade.
O dia é quente, mas, eu estou suando frio.
Meus braços parecem ter dez metros cada um. Nada no mundo além disso, explicaria por que eu não consigo escondê-los entre minhas roupas largas.
Eu me questiono o tempo todo o que vim fazer aqui, em meio a esta multidão desgovernada que passa veloz, enquanto eu tento em vão, me esquivar dela.
Inútil!
Minha mente é um completo borrão.
Olho em volta à procurar pelo que eu nem imagino, ter o poder suficiente para me tirar de casa neste dia.
Todos os dias eu tenho um motivo especial para não querer nada com a vida cotidiana.
O trabalho é algo que ainda me desliga os pensamentos vorazes.
Detenho-me diante de uma banquinha, onde estão vendendo diversos frascos chamativos.
Me aproximo com cautela, sentindo aquela estranha sensação de familiaridade com o local.
Ao olhar a primeira embalagem, solto-a imediatamente, pulando dois passos ligeiros para trás.
Os vidros se estilhaçam no chão, enquanto vejo os minúsculos cacos na aparência de gotas de lágrimas, se reunirem aos meus pés.
Sem saber o que pensar, verifico cada um dos inúmeros rótulos expostos. Cada qual com o meu rosto em diversas expressões faciais diferentes.
Meus dedos tremem ao segurar um frasco com uma maravilhosa expressão sorridente em meu rosto enrugado. Estremeço com a certeza de que talvez, eu jamais sorria assim.
Esfrego os meus olhos assombrados e incrédulos ao que viam ali.

Cada etapa da minha vida, infância, adolescência, fase adulta e velhice, estavam dentro daquelas diminutas embalagens.
O vendedor aproxima-se e me olha como se já me conhecesse a vida toda.
Pior do que isso! Sinto vontade de enforcá-lo quando ele me encara, como se me conhecesse melhor do que eu.
De repente, sem que eu saiba de onde veio, aparece uma multidão que começa a saquear a banca dos horrores e a carregar cada um dos produtos que levavam a minha imagem.
O horror se apodera de mim diante daquela cena bizarra. Várias pessoas abrem as tampas dos vidrinhos e bebem seus líquidos leitosos.

Como se aquilo fosse algum tipo de remédio ou poção.
Neste instante, a consciência de que tudo aquilo, não poderia passar de um sonho maluco, me invade totalmente.
Mesmo assim, eu não consigo entender, por que eu estou correndo desta multidão ensandecida, que agora, se parecem todos com malditos clones da minha aparência física.
Uns choravam, outros sorriam. Uns cantavam, outros sofriam... E todos insistindo para que eu tomasse daquele estúpido líquido também.
Quando eu pensava que não conseguiria mais escapar daqueles lunáticos, eis que do nada, eu desperto com o corpo gelado.

Estava sobre a borda do parapeito, na varanda do meu apartamento.
Minha memória voa veloz ao recordar os vinte e oito comprimidos que eu engoli na tentativa vã de me matar.
Um tremor seguido de uma infeliz náusea, desequilibra meu corpo, no momento em que tento sair daquele maldito local.
Rodopio no ar sentindo meu corpo tombar para fora, no espaço imensurável do meu desespero.
Quebro um dedo ao tentar me agarrar às barras de ferro, para evitar aquela morte certa.
Que irônico!
Justamente no último instante, eu mudo de opinião sobre conhecer o além.
Inútil!
Meu corpo cai em queda livre do vigésimo quinto andar.
O que eu senti?
Nada!
Foi a viagem mais veloz que humanamente já se ouviu falar. Acho que foi mais rápido até do que a velocidade da luz.
Eu só estranhei ver meu próprio corpo se desintegrar no chão áspero como se fosse inúmeros pedaços de vidro, se convertendo em gotas d'água, aos pés de um transeunte que muito se assemelhava comigo.


"AGORA, VOCÊ ME PERGUNTA:
O que foi isso?
Uma crônica sobre sonhos e pesadelos?
Uma história de terror?
Um conto idiota?

Eu digo:
Não. Esta é a minha vida."

Anônimo(a) que por hora, atende pelo pseudônimo

de Liz...


APARÊNCIAS  - (sátira)

 

A culpa é minha.

Não sei por que isso ainda me aborrece.

Ontem ao chegar mais cedo ao trabalho, ouvi sem querer, duas colegas falando baixo à meu respeito. Não, elas me injuriavam:

______ O que? Tá louca? Eu no seu lugar não teria coragem de fazer isso. Ela vai se ofender e te fazer passar vergonha. - discriminava a novata.

_____ Será? Acho que não. Trabalhamos juntas há quatro anos. Não acredito que ela verá minha atitude com maus olhos. - defende-se minha colega de trabalho mais antiga. ______ Até porque eu sinto que ela irá gostar da cor desses moletons. O dela já está surrado e nesse inverno esfriou muito. 

_____ Sei não colega. Ela tem jeito de ser tão arrogante. Sabe aquele tipo de gente pobre e metido? Tem vezes que ela entra aqui como se carregasse o rei na barriga. Passa e nem cumprimenta ninguém. Outras vezes ela falta pouco bater na gente se não respondemos o bom dia dela. Aquela garota é muito esquisita. 

Nessas alturas eu já bufava tão alto do meu esconderijo, que ficou impossível manter minha presença imperceptível. Apertei mais fortemente meus fones de ouvido (desligados) e passei por elas dissimuladamente com o meu rei na barriga de nove meses.

Alcancei a minha sala e (como de costume), descarreguei a minha cólera na porcaria do armário de arquivos e registros. As gavelas e portas empenadas e enferrujadas, faziam enorme barulho, sempre que eram mexidas. Eu já enviei inúmeras solicitações para o meu chefe, requisitando suas trocas, mas, como estou apenas um degrau do chão na cadeia corporativa, minhas reivindicações não estavam na lista de prioridades da empresa. 

Eu já estava quase quebrando uma maçaneta, quando a novata entra na sala com duas maças maduras à força, estampadas na cara redonda dela. Ela me olha de soslaio tentando descobrir se minha fúria era realmente com a gaveta, ou, pelo que ela suspeitava que eu havia ouvido. 

Com indiferença eu continuei resmungando baixo, palavrões de médio escalão. (nem queira saber quais são). Me contornando, a infeliz finge me ajudar, invadindo o meu espaço de conforto, já quase dentro da minha zona de confronto. (Sim. Eu sou uma ogra também, cheia de camadas).

Como sempre acontece nesses momentos, a gastura se apoderou de mim, e, imediatamente, eu estiquei os braços fatigados, tomando distância da criatura, antes que ela deixasse em mim seu cheiro de perfume refinado. (Não, refinado de chique, mas, refinado como o açúcar, insuportavelmente doce. Eu sempre apreciei aromas masculinos e amadeirados, que eu sempre uso para dormir.) Este costume já deixou muita gente indagando se eu havia dormido acompanhada... kkkkk... Sim, com o Ted, meu travesseiro. kkkkkk...

Tá! Voltando para a sem noção... Rsrsrs...

Isso é uma das coisas que mais me encabula nas pessoas. Se a cretina da novata me considerasse realmente como a ogra que eu sou, a última coisa que ela devia fazer era ficar testando os meus limites daquela forma. 

Já sem a miligrama da pouca paciência que eu tenho, retirei o meu moletom cinza quase rasgando-o, enquanto tomava distância da mulher, antes que me passasse pela cabeça, enforcá-la com as mangas. Pronto! A ideia já estava acessa e latente. 

Há momentos, que ninguém respeita o psicopata que vive em nós. Até agora eu não acredito que a doida quis me ajudar a tirar a peça de roupa. Ainda teve o desplante de dizer: "Ai, você gosta mesmo desse moletom né! Todos os dias você veste ele!"

Ainda custo crer que eu não consegui fuzilar a novata com os meus olhos. Eles arderam tanto, pareciam pimentas. Peguei a droga da blusa, fui até a lixeira e soltei-a teatralmente. Olhei para a infeliz da garota parada e sem jeito à minha frente e dei para ela meu sorriso mais sinistro. (Acredito que se pareça com a expressam de alguém que sabe um segredo medonho da gente) Deve ter sido mais ou menos assim, pois, as maçãs nas bochechas dela apodreceram na mesma hora. 

Agora eu estou aqui, sem saber o que sentir. 

O fim de semana continua longo como sempre e na segunda, tenho que encarar aquela gente do trabalho com outros olhos. 

Eu sempre me enxerguei como descontraída, camarada, simpática... Merda! O que eu tinha que ouvir aquelas duas falando de mim?

Nas vistas deles então, eu sou arrogante, esnobe, pobretona e ignorante. Que horror! Nunca minha imagem foi tão destorcida.

Ok! Eu sou um pouco fria e indiferente às vezes. Egocêntrica, egoísta... Tá! Eu não sou uma flor de pessoa. Mas, devo ter ainda 1% de alguma coisa boa lá no fundo, em algum lugar dentro de mim... Amanhã vou começar a garimpar... Droga! Eu me conheço. Se eu achar alguma coisa boa demais em mim, nunquinha na vida que eu vou querer dividir com a novata ou mais um meio mundo de gente a toa. Vou permanecer na mesma!

É! Não tem jeito!

A solução desse impasse é continuar usando minha máscara de aço inoxidável, minha postura de lady, senhora e dona do mundo, do tempo e da minha vida. Desarmar a todos com o meu linguajar rebuscado e torcer para que nada mais dê errado no trabalho. 

E eles que pensavam que eu só tinha um rei na barriga.

 

Liz Nascimento    

Brasil, julho de 2016


POR AÍ!

 

Outro dia eu fiz uma viagem.
Mas, não uma viagem qualquer ou comum.
Viajei para dentro de mim.
Visitei primeiramente meus medos, 
e descobri que eu não sou tão forte assim.
Havia muitos vultos e segredos,
E também o pior de mim.
No departamento medo criei um alçapão.
Guardei lá dentro um pouco de coragem,
E toda a ousadia que me veio à mão.
Então viajei no expresso da mente,
e descobri que sou mesmo doente.
Um pouco louca e pueril,
mas nada que me faça perder o brio.
Chegando na caixa de controle universal,
visitei meus alucinados transmissores.
Alterei minha configuração original,
eliminando assim algumas dores.
Acabei estragando o comando principal,
e nem me pergunte o que foi feito dos motores.
Viajei em seguida, até minhas lembranças mais queridas.
Minha mãe, o meu pai e meu jardim de margaridas.
Lembrei até de meu gato!
Do filho do padeiro da esquina...
Meu namoradinho nos tempos de menina.
E minha viagem acabou assim como começou.
Eu dei a volta em torno de meu EU-Mundo,
fui bem mais longe e profundo,
que qualquer um que eu conheço.
Mesmo assim, neste mesmo lugar permaneço!

Liz Nascimento

Brasil, 03 de agosto de 2016


VENHA MAR!


“Venha mar!...”
… gritava o seu mudo medo,
longe de casa e do arvoredo,
tão longe de terra,
tão longe do cais…
e não era comandante,
nem tão-pouco ele era arrais,
era um simples marujo,
em triste estado agonizante,
confuso, enjoado e sujo
preso ao fundo daquele instante!

“Venha mar!...”
… e o mar como que obedecia
e não se fazia rogado
e o fraco marujo tremia
perante o mar encapelado
que, poderoso e forte, rugia,
mostrando quem ali mandava
à alma que ali não pertencia
que, mesmo sendo uma alma brava, 
era tão pequenina e tão só se sentia
que apenas respeitosamente rezava…

“Venha mar!...”
… e no auge do seu desespero,
onda abaixo, onda acima,
num solitário momento de destempero,
numa dor sem métrica nem rima,
a água salgada sabia a licor de maçã,
o ar inundava-se de aroma de hortelã
e as ondas eram trigo por ceifar
por onde se perdiam caminhos escondidos,
feitos apenas para namorar
por amores doces e atrevidos…

“Venha mar!...”
… e o mar vinha e ia
enquanto a terra não aparecia
e, de saudade, o marujo desfalecia
enquanto o mar condescendente amainava
no chamamento da terra que padecia
e que pelo seu marujo esperava…

 

"Venha mar!" é uma expressão utilizada pelos marinheiros portugueses sempre que estão em mar alto, na presença de mar forte e poderoso, para "mostrar ao mar" toda a sua coragem e braveza!

 

AUTOR: Vítor Costeira