Especial - Vítor Costeira - G+ De 28/04/2015 à 09/07/2015
RECORDAR, TAMBÉM É VIVER... - Dia Mundial do Sorriso No seu quarto modesto, solitária com o solidário escuro, num puro e simples gesto um pouco inseguro, trémula, abriu a gaveta, saudade secreta, onde guardados moravam papéis perfumados, muito bem dobrados, meio amarelados pelo tempo que a mais eles tinham, do tempo que ela tinha a menos… e nas suas mãos eles se detinham, queridos dóceis doces acenos de amantes mais ou menos serenos, sem paralelos nem meridianos, nem mares, nem oceanos, que ainda a faziam feliz, que a ajudavam a viver, tanto quanto sempre quis… Nem precisava de os ler, acariciava a sua caligrafia e, um por um, até não haver nenhum, assim, a todos os lia, num sentimento lindo e puro dia e noite, noite e dia e, solidária com o solitário escuro, sorria…
OLHOS SONHADORES... São enormes os grandes olhos que olham sonhadores, cheios de encanto profundo, no canto de um canto, arrebatadores neles cabem todos os mundos que um só sonho pode ter! … e quem os pode conter, se sonhar também é viver? Neles, ternos, segredos eternos convivem lado a lado, com ocultos pecados, alguns azedos, outros açucarados, mas todos eles sonhados, todos eles desejados! E neles há tanto para dar, neles há luar, neles há mar, tanto e largo mar, para mergulhar num só olhar… a sonhar… a sonhar…
INTERMEZZO O Sol descansava de seu eterno aconchego aos simples mortais e, adormecido, a meus olhos, suavemente deslizava e brincava com os minúsculos seres que, felizes, descansavam sobre as rochas, respirando a brisa fresca do mar... Nuvens suaves acariciavam-lhe o rosto e bandos de aves migratórias retocavam-lhe a face. Nenhum ruído se fazia sentir, para além do roçar da água nas margens, que consigo transportavam algas e sonhos; para além das aves marinhas que procuravam, em voo picado, peixes e crustáceos; para além das folhas das árvores que cobriam a orla superior daquele pequeno grande mundo... Nada mais havia para além da sensação suave de que tudo era belo e eterno, para além daquele momento lindo! O entardecer chegara e o tempo parara por instantes....
(Palavras minhas e imagem de www.look.com.ua-116735)
O FOGO E A GASOLINA Sentados, frente a frente, cada um do outro confidente, presentes do presente momento, ausentes na distância mas presentes no tempo…
Frente a frente em ânsia de se prenderem no olhar, de poderem nele viajar nas asas do outro, voar, a alma desejada poder ler e, um no outro, se perder onde cada um se encontrar…
Os olhos leem, os olhos gritam de amor, de prazer, de paixão, os pés afastam-se do chão e o coração toca no coração, como bênção ou oração, enquanto as almas vão e os corpos ficam…
E neste quase insano fervor a consciência desatina! Um é fogo e arde sem dor, o outro alimenta e é gasolina!
Neste olhar, onde cada um quer entrar nenhum deles sabe se quer sair, e frente a frente, sem falar, um deles tem que fugir para o outro se poder encontrar!
(Palavras minhas)
PROMETE... Promete… promete que não semearás bolbos de ilusões por toda a minha pele, esperando nascerem frutos sem nome, nem que em mim descobrirás o corpo de uma aventura, quando eu de ti preciso amor e ternura!
Promete… promete que não te oferecerás tal e qual como não és sempre que eu de ti precisar nem que todas as palavras dirás, as que sabes que eu gosto de ouvir, e que descobrirei estares a mentir!
Promete… promete que não me verás como o herói do teu romance, aquele em que apenas tu és feliz, nem que me abandonarás numa qualquer curva do caminho depois de jurares seres tu o meu destino!
Promete… promete que cumprirás o juramento e que não esqueces em nenhum momento, o que prometes e com um lindo sorriso, sela essa promessa sem que eu te peça e sem que nada impeça que a nossa esperança seja uma feliz criança! Promete… promete que nada mais prometerás, para os dois descobrirmos serenos o que da vida os dois queremos e o que ela simplesmente nos dará!
FOTOGRAFIA Enquanto passeava, num atapetado de folhas que se desfazia sob o meu calçado, o meu olhar distraído e vago foi desperto para ela...
Ali estava ela, diferente de todas as outras…bela!
E, neste meu encanto, de tanto que ela era diferente, eu fui-lhe completamente indiferente… nem uma só vez senti que ela me quisesse mas eu tomei-a nas minhas mãos e apoderei-me dela como se minha ela quisesse ser, não querendo...
Toquei na sua pele, virei-a do avesso, senti seu cheiro a mel apaixonei-me, confesso! Protegendo-a com mil cuidados, evitando o olhar alheio, os meus passos tresloucados fugiram do meu passeio…
Finalmente, em porto seguro, abraçando-a febrilmente, fiz de mim um homem puro e desejei-a ardentemente! Deitei-a e fiz-me sua glória sem saber se o desejava ou queria e guardei o momento numa memória chamada fotografia.
Aqui está ela! A folha que, não sendo minha, sou eu dela...
SOBRE O MAR... O meu olhar vagabundo, sobre este profundo mar, fez-se eterno navegar neste largo e longo mundo em constante maravilhar, descobrir e sonhar adormecer embalado pelo luar e acordar encantado por viver, entre peixes e sereias, marés-vivas e luas-cheias, golfinhos e caravelas, alforrecas e baleias…
E, nesta bela tela, o meu olhar itinerante fez-se também parte dela, sob um Sol ardente e brilhante, sob uma Lua clara e errante, feliz e viajante, fez-se amado e fez-se amante…
O meu olhar marinheiro repousou no alto-mar…. e, viajando num veleiro, deixou minha alma a viajar…
VOLTAR A SER MULHER! O seu nome pouco importa depois de fechada a porta, não deixa de ser mulher para ser outra coisa qualquer mas deixa de ser quem é…
A sua vida pouco interessa pois sabe que é simples peça de um jogo para não ser jogado, com o resultado já viciado tenha ela ou não tenha fé…
Entrega o seu vazio corpo como se fosse um peso morto e nunca se consente sentir que aquilo que sente a fingir é tudo o que gostaria de viver…
A noite é sempre uma tortura, lençóis vincados de amargura, não tem mais lágrimas a derramar, hesitando entre fugir ou chorar decide, então, que chega de sofrer!
E canta! Canta! Canta, até cansar! e, louca, fica rouca de cantar! Na voz que sai está o coração cansado da pouco nobre relação!
Agora, ninguém pode dizer que não sabe! Deitou para fora tudo menos a liberdade! Não é mais feliz mas é livre de o ser e volta a sentir que é nobre ser Mulher!
A DEMANDA DO CAMINHANTE Faças o que fizeres, vás por onde fores, caminhante, deixa boas recordações no teu caminhar, no desenho dos teus passos…
Inspira a beleza em teu redor, faz dela o teu modelo e retribui-lhe tudo aquilo a que tiveste direito, depois de te entregares em pleno…
Não estragues, não magoes, viajante, não te mostres dono do que não tens, nem outro que não tu mas, se tal acontecer, na imprudência dos gestos ou na ausência dos sentidos, para, recua e estende a mão a quem tu derrubaste, feriste ou maltrataste e retoma o passo do teu esperançoso caminhar…
Parar, nem sempre é desistir… recupera o fôlego, aprende com os teus erros, abastece o bornal da esperança, bebe um gole de fantasia, não demasiada, e ilumina o teu olhar com a alegria antecipada de teres, na tua chegada, quem tu quiseste feliz na tua partida…
Mas, se ninguém houver à espera retoma o teu caminho de volta, seguindo os passos dos teus passos, mesmo de olhos cerrados, não precisando de mapas ou de bússolas, e recomeça a tua demanda em busca da felicidade sonhada!
…e, quando terminares, já sabes bem o que fazer: faz-te feliz!
Faz-te feliz, fazendo feliz quem te esperou, fazendo feliz quem em ti acreditou!!!
No frio do chão, no meio do nada e da multidão que ausente passava, que a atropelava na solidão…
uma mão estendida, pedindo apenas caridade e desconhecendo a liberdade, meio triste e encolhida, vergada pelo peso da vida que dela fizera tudo o que ela nunca quisera…
seus olhos sem cor olhando em redor, esperando a moeda da salvação cair na vazia concavidade de sua suja e linda mão, perdida na esquecida idade…
enquanto sentado em seu colo, num inocente abraço, num suave consolo, fruto do seu regaço, alheio a tudo o que sofria, em aparente alegria, um homem-menino sorria…
e os seus longos dedos finos moldavam a face da mulher como os dedos dos meninos, nas pétalas de um malmequer que oferecia toda a sua vida à vida que lhe tinha sido oferecida
e os dedos do homem que é menino em gestos suaves de artista inconsciente molda a face da mãe em barro fino que, terna, beija com os olhos o seu ente que nada percebe mas tudo sente…
e os olhos sem cor, uma moeda esperando, olhavam com todo o seu amor para o seu bebé brincando com o vazio da loucura permitida à sua alma pura…
no frio do chão, uma mão estendida tentava chamar a atenção para uma vida perdida, num inocente abraço àquele que era de si um pedaço…
e o dia escorria de agonia em agonia e ela esperando pelo dia, o dia que os levasse para onde cessasse toda aquela dor que os unia…
(Palavras minhas e imagem de autor com assinatura ilegível)
Restou-me o mar... Inventei proas, inventei caravelas, inventei o vento soprando velas, inventei rotas e navegadores, pesadelos e sonhadores, escorbuto e Infante, rum e sextante, bebedeiras e agonias, desvarios e alegrias, Estrela do Norte, vida e morte, Cruzeiro do Sul, esperança, tempestades e bonança, sereias e Adamastor, Amizade e Amor…
Inventei tudo e nada inventei e, quando as descobertas findei, num atroz e duro esgar, percebi o quanto vazio fiquei, restou-me o mar…
Simplesmente... acontecerá, simplesmente! Sempre que o teu mundo encolher, as paredes do quarto te asfixiarem, o ar que respiras te faltar, o teu olhar se perder, as tuas mãos maltratarem o teu corpo, a pele transpirar solidão, o cabelo se desgrenhar, o equilíbrio do corpo se perder, os passos hesitarem e a tua própria raiva te morder, por repetidos erros que juraste evitar…
descansa, primeiro, o corpo exausto, cerra os olhos suavemente, desamarra-te dos braços que te ferem, inspira todo o ar de que precisas e não tentes esquecer, tenta apenas perdoar-te, reconcilia-te, entendendo-te…
Depois, arranja o teu cabelo, limpa o rasto das lágrimas que já não choras, fixa os olhos na pessoa que és, passa as mãos em ti, sente-te, e sai de ti e, de ti, para a rua… Caminha, olha em teu redor de cabeça erguida e sorri! O mundo precisa de ti tanto quanto tu precisas dele! Tu és parte de um todo e, o todo, sem ti não está completo!
Simplesmente…ama quem és! Tudo o resto acontecerá simplesmente…
A noite passada... A noite passada adormeci ausente de mim e os meus olhos voavam cativos nas asas de um bando de gaivotas…
De um para outro lado, as gaivotas subiam, desciam ou passeavam na muralha, agarrada ao cais do rio, e a verdade é que adormeci com a última gaivota da noite, cantando uma canção que não aprendi…
Adormeci e sonhei que, aquela gaivota que ficou, apenas ficou para mim, por mim, e por mim se fez magia, incenso, marfim, malmequer, e Mulher!
A noite passada adormeci como uma alma devota, com os olhos colados a uma gaivota e o pensamento em ti!
Foi embora... Foi embora… por hoje, nada mais há a fazer do que esperar por amanhã, do que esperar…
Sob a vigília atenta do firmamento, num reflexo terno de despedida, por detrás do suporte metálico da ponte desapareceu, suavemente, e tão maravilhosamente radiante como antes se tinha oferecido…
Foi embora e eu aqui fiquei, expectante por nova aurora, estático, hirto, frio, olhando as águas mansas do rio onde adormecem navios sem bandeiras, onde se afunda lentamente um veleiro antigo, e espumam os sons da palavra Tejo…
Foi embora e levou-me consigo e, nesse instante, me revejo carente na minha carência, do meu não saber estar na sua fria ausência…
Nem as estrelas que virão, nem as luzes da cidade lembrando uma enorme árvore de Natal, no Verão, nem a suave calma da noite ou as gaivotas adormecidas nos pontões, perfiladas marcialmente, conseguirão fazer esquecer o ser que em mim é ente ausente…
Foi embora mas eu sei que voltará amanhã e que, pela fresca manhã, em gestos de suave ternura os olhos sonolentos me abrirá e em minha pele se deitará, resgatando o que de mim se apartou, recompensando o que não deixou…
Foi embora, o Sol, e eu aqui fiquei esperando o amanhã…
Até que a memória nos separe...! Sabes quem eu sou? Lembras-te de mim? Recordas, um dia, termos dito “sim”? Já não sabes quem és, eu passei a ser um estranho, olhas para mim todos os dias como se fosse a primeira vez que me visses e, de vez em quando, falas e contas coisas que eu desconheço, apresentas-me a pessoas que eu não consigo ver e, à nossa volta, há um vazio tão cheio que apenas tu sabes ler e eu sinto que te estou a perder…
Já não há plano algum, os sonhos são apenas doces e eu apenas gostaria que fosses a metade do que ainda somos, no prolongamento da vida e do escorrer do tempo que já fomos…
Olha para mim, por favor, por um só segundo que seja! Vê em mim o teu amor, vê em mim quem ainda te deseja, desejando agora, tão somente, que sentisses o que em mim sente a dor de não poder mais ouvir a tua voz fazer-me sorrir, antes de eu voltar a ir, para, de novo, amanhã voltar e repetir a amargura do momento de aqui chegar sem me conheceres, sem em mim veres aquele a quem disseste “sim”, aquele que nunca imaginou um dia ver-te assim…
E eu… eu amanhã voltarei e tudo se repetirá, na eternidade da solidão com que até amanhã viverei, enquanto tu aqui ficas convivendo com a tua memória, aquela onde eu não existo, aquela onde eu não sou história…
Hoje, como ontem e todos os outros dias deixo-te rosas, lindas, vermelhas, cheirosas, aquelas a que ainda dás valor e, com elas, os teus olhos brilham e adquirem a vida que eu conhecia, permitindo-me sentir que ainda aqui estás, enquanto eu aqui estou ainda…
E eu… eu voltarei sempre porque sei que já não sabes quem sou mas eu sei quem tu és e tu serás eternamente o ente a quem eu me dei e me dou, aquele a quem eu um dia disse “sim”, até que a memória nos separe em dois, um dia, por fim…
Valsinha (quase) infantil Se ele diz sim, ela diz não; se ela diz não, ele diz sim; no fim das contas, nem não, nem sim, contas redondas, fica apenas “nim”…
Se ela diz vou, ele não vai; se ela não vai, ele diz vou; no fim das contas, vão os dois, contas redondas, zanga é p’ra depois…
Se ele diz quero, ela não quer; se ela não quer, ele diz quero; no fim das contas, ainda nenhum quer, contas redondas, ser homem nem mulher…
Se ele sorri, ela sorri; se ela chora, ele chora; no fim das contas, contas redondas, é mesmo ali que o Amor mora!
Jogo de contrastes Tu és o Sol e eu sou a Lua, és fechadura e eu sou gazua… eu sou a noite e tu és o dia, és alegria e eu melancolia… tu és o calor e eu sou o gelo, tu és a pele e eu sou o pêlo… eu sou a sombra e tu és a luz, tu és a face e eu sou capuz… tu és um mar e eu sou um rio tu és amar e eu sou o cio…
Tu és sinónimo e amor ameno, eu sou antónimo, eu sou veneno… és Universo e eu sou apenas um verso inverso dos teus poemas… somos diferentes, somos iguais, somos sementes e nada mais! E é assim que somos os dois, um sempre antes e um já depois… um que diz não, outro que diz sim, a algo lindo que não tem fim!!!
O RAIO DE LUZ Quando o raio de luz beijou a mão adormecida sobre uma outra mão, aqueceu os seus tecidos, acordou-lhe os sentidos, violou a frágil fronteira, fez ranger a madeira, sonhou mil girassóis, tocaram lindos violinos, parou o relógio da sala e fez tombar os lençóis…
Depois, os tecidos suavizaram, os sentidos repousaram, a fronteira recolheu, a madeira cansada cedeu, mil girassóis rodaram, os violinos cessaram, os ponteiros avançaram e os lençóis ficaram no chão …
…e a mão adormecida sobre a mão, num grito de glória e prazer, apertou os dedos nos dedos dizendo, sem nunca dizer, que a luz não tem medos nem tem segredos, sempre que inunda o quarto dando à luz o Amor, fazendo-se, de si mesma, parto…
Apenas hoje... Deixa-me sentar a teu lado, sentir que hoje sou o teu protegido, o teu menino querido, aquele que perto de ti estaria e para quem tu olharias com carinho, num desvelo meigo e terno, bem para além do eterno de onde sinto que, finalmente, me vês…
Deixa-me sentar perto de ti, sentir que o calor do teu corpo se fez nascer todo ele para mim, que os teus braços são fitas de cetim esvoaçando, truque ilusionista, enlaçando-me como oferenda de Natal, e fazendo com que os meus olhos infantis fiquem maravilhados perante a magia e recusem deixar de fazer parte da ilusão e do momento inesquecível que criaste…
Deixa, apenas hoje, eu ser o teu único e sentir que nasci para estares comigo…
O BAILE SONHADO... Distraída, ela olhava para o frio e vago nada que à sua volta rodava no imenso salão de baile… com olhos meio entristecidos, os ombros já arrefecidos, finamente protegidos, por tricotado e rendado xaile…
Eis, então, que ele aparece do nada, feito sua prece, curvando-se, sua mão oferece, e convida-a a dançar… então, ela fez-se águia-real nos braços dele, em voo triunfal, desenhando uma dança surreal sustendo toda a vida no respirar…
Todas as luzes da Terra se apagaram, apenas as estrelas no céu brilharam, cúmplices, as orquestras pararam e, do som da música que se calou, os olhos nos olhos amaram, os corpos nos corpos colaram e os pés rodopiando no ar dançaram enquanto o suave sonho durou…
JANELA DE ESTRELAS Caminho entre horas não dando importância a demoras, querendo apenas chegar, partindo de um vago lugar, por um caminho qualquer errar, errante para lugar algum…
Porque parti, já nem me recordo, estou apenas caminhando movendo as pernas, deambulando, diabolizando encruzilhadas, ferindo a carne indolor e pisando as pegadas desfalecidas que, antes de mim, outros desenharam no pó dos sonhos… Sem motivo aparente, movo-me, simplesmente, desloco o corpo de um ponto do Universo para onde ainda não sei…
Pouco importa, o meu instinto diz-me para avançar, não parar, nada esperar de quem nada tem para me dar, e caminhar, até chegar a um lugar, quem sabe se junto ao mar, onde haja uma janela enorme por onde eu possa saciar a alma de estrelas e o corpo de bonança!
TENHO PALAVRAS... Tenho palavras, meu amigo, que te servirão de abrigo, te darão força e coragem para seguires viagem, para enfrentares o caminho sabendo que não viajas sozinho…
Tenho palavras, meu amigo, que te acompanharão, que te darão a mão sempre que te sentires perdido, confuso e derrotado, e a vida te fizer sentir como um pesado fardo…
Tenho palavras, amigo, que não preciso delas, agora, aqui comigo e que sei que mas devolverás, com um sorriso mais largo do que o mundo, mais fundo do que o mar, se, um dia, eu delas precisar…
UM DIA DESTES... Um dia destes ainda vou descobrir segredos sobre mim… Um dia destes, distraidamente, folheando um livro que nunca lerei, movido por um impulso que entenderei sem pensar, encontrarei esquecido, talvez escondido, um pedaço de papel escrito pela minha própria mão, contendo pedaços de mim que já nem lembrarei terem existido, que nem saberei se alguma vez existiram ou se foram apenas reflexos da imaginação de um instante, tragédias sem sentido, momentos perdidos…
Um dia destes, sem nada o prever, darei por mim a observar aquele que estará do lado de lá do espelho que me enfrenta com uma expressão inquisidora, como se nunca me tivesse visto, querendo saber quem eu sou, não se incomodando saber quem é, não se revendo nos gestos que vê nem naquilo que parece adivinhar no que eu não penso fazer, ou que faço sem tão-pouco pensar. E os dois assim ficaremos durante eternidades diluídas em segundos esperando que um dos dois ceda ou responda aquilo que nem sabe se algum dia o saberá…
Um dia destes ainda me hei-de encontrar! Nem que tenha que marcar um encontro comigo mesmo, num qualquer lugar da memória que tenho andado a evitar. Quem sabe se eu poderia então conhecer razões que me levam agora a ser aquele que tanto necessita olhar-se, encontrar-se em amena conversa escutando tudo aquilo que não quero ouvir das palavras dos que mais magoei, dos mundos vazios que para trás deixei, de tantos outros de quem me ausentei, de espaços onde estive sem estar, de vidas por onde passei a minha vida sem nada de mim oferendar…
QUE ÁGUA QUERES TU COMIGO RESPIRAR...? Por onde andam os teus pés? Por que mares? Por que marés? Que mergulhos tens ousado? A que profundidade te tens aventurado? Que ar respiras tu na água que o teu peito ingere? Qual a sabedoria dos teus olhos que sabem ver através da salmoura das moléculas da água salgada, sem que a íris do teu olhar se negue a repetir o espasmo?
Ultrapassas a barreira dos corais sem que as moreias te molestem, sem que as caravelas te inflamem a pele, sem que a escuridão te esmoreça? Quais os fluídos que te atraem? Serão aqueles que mais te maltratam? De que sonhos te alimentas tu? Porquê essa urgência tão premente em testares as leis da gravidade, em te aproximares do que já sabes que inevitavelmente te ferirá e que descobrirás, uma vez mais, a sua diminuta importância?
Por onde andam os teus pés que nunca têm chão? De quanta inocente coragem é revestido o teu atrevimento? Por que maravilhosas metamorfoses já os teus dias passaram? Em que posição adormecem os teus sentidos quando extenuados cedem ao cansaço? Como consegues tu descansar a alma? Que calma ofereces tu ao teu viver?
Se me levares contigo a passear, será à beira-rio ou à beira-mar? Que água queres tu comigo respirar?
QUE NUNCA ABANDONEMOS A CRIANÇA QUE HÁ EM NÓS! Toda a criança deveria ter direito a: · Ter uma mãe que a adorasse! · Ter um pai não a esquecesse! · Ter uma família que a acarinhasse! · Ter alimentação que a nutrisse! · Ter habitação que a protegesse! · Ter educação e formação de que mais tarde se orgulhasse! · Seja pelo que for, não ser discriminada! · Ser respeitada e ensinada a respeitar! · Ter direitos iguais para todas elas! · Não ser maltratada e aprender a não maltratar! · Não ser violentada e aprender a não violentar! · Ter opção de escolher e aprender a acolher outra opção! · Ter opinião e aprender a permitir outra opinião; · Sonhar e, no sonho, poder acreditar! · Ser justiçada e aprender a julgar! · Ser feliz e aprender a fazer alguém feliz! · Ter esperança e aprender a apoiar um amigo! · Amar e aprender a saber amar! Seja ele ou ela, criança ou adulto, esteja onde estiver, fale que língua falar, nasça onde nascer, tenha os pais e o país que tiver, seja rica ou pobre, alta ou
baixa, gorda ou magra, escura ou clara, independentemente da sua religião e daquilo em que acreditar, que nenhuma criança deixe de poder ser criança! Dia internacional da Criança 2015
OLHOS NOS OLHOS... Vamos conversar… Vamos falar, por vezes, sem falar…
Olha bem no fundo do meu olhar e descodifica o que há para decifrar nos mistérios que em mim residem.
Despe a minha alma e lê o meu corpo, segue-lhe os sinais que não fui a tempo de desvanecer, aprecia muito mais o que sentires do que aquilo que a visão te oferecer… despe-me o corpo e lê-me a alma, rasga os tecidos desprotegidos e tenta encontrar algo já esquecido nas artérias e veias que mapeiam a minha pele…
Suaviza e eterniza este momento, cristaliza as gotículas do salgado suor que da minha fronte se desprenderão como chuva quente no Verão, para a concha da palma da tua mão e faz delas parte dos teu segredos, guarda-as como cristais diamantizados, em valiosos quilates lapidados…
Quando, por fim, eu estiver descodificado na imensa enciclopédia dos termos sem significado, fala-me, finalmente, das coloridas paisagens que tão ansiosamente em mim desbravaste, das empolgantes e subtis panóplias de imagens que por todo eu em tela de linho pintaste e dá-me um pouco do teu valioso tempo para continuarmos neste doce momento…
Vamos conversar… deixa-me olhar bem no fundo do teu olhar e descodificar o que há para decifrar nos mistérios que em ti residem…
SE BEM TE CONHEÇO... Se bem te conheço... ainda estás no vazio, na escuridão, no frio, confirmando Einstein e a Teoria da Relatividade, gravitando, suspensa, inerte, amorfa, apática, sufocando, sem vontade, vegetando, distante… principalmente, de ti!
Se bem te conheço… assim ficarás, até que Saturno se aproxime mais do Sol, até que Marte esteja habitado, ou até que alguém queira sofrer contigo. Não és uma estrela, nem outro astro qualquer, és mais do que isso, és uma MULHER!
Fala, escreve, isso ajuda sempre… não é solução mas ajuda! Se sabes rezar, reza… Se sabes cantar, canta… Se sabes assobiar, assobia… Bate palmas, faz barulho, chora, grita, faz de louca! Faz qualquer coisa mas não deixes ser pisada! Mostra que existes!
MEIO-CAMINHO Quero viver a vida inteira contigo de uma só vez e permitir que faças da minha vida tudo aquilo que quiseres, pois sei que apenas queres tudo aquilo que feliz me fizer!
Quero encontrar-me contigo onde estás, que me encontres onde estou ou, indiferentemente, a meio-caminho, pois estamos onde o outro está, pois sei que somos o que o outro é, completamo-nos com algas, preenchemo-nos com estrelas-do-mar…
Quero sorver deliciado o delicioso sentido do Império dos segundos que cadenciam o ritmo acelerado do coração, quando, a meio-caminho entre nós e um destino, subirmos alados aos céus e, numa vertigem vertical descendente, largarmo-nos em voo picado em direção ao mar e aos corais que, generoso e amante, se fará ninho e nos acolherá sem perguntas!
A meio-caminho um do outro nos encontraremos num poema sem rima, sem métrica, irrequieto e irregular, distante da luz cintilante das estrelas no tamanho dos mistérios insondáveis do tanto que ficará por contar na imensidão do fundo mar!
Quero chegar ao fim da caminhada e sentir que ambos queremos dizer: – Amei o caminho!
HISTÓRIA DE (DES)ENCANTAR Ele era um príncipe mas, sendo o príncipe que era, era um príncipe diferente… não era belo, nem era rico e, por isso, era apenas diferente… não há príncipes assim! Enfim, coisas próprias de príncipes!
Ela era uma princesa e, como princesa que era, não era uma princesa diferente… ela era bela, ela era rica e, por isso, não era diferente… não há princesas que não sejam assim! Enfim, coisas próprias de princesas!
Ela vivia num reino encantado, ele, encantado, inventou um reino mesmo ali a seu lado, um reino lindo e ensolarado e sentia-se um abençoado ser … e todos os dias que aconteciam os dois para os seus terraços iam e dos olhos do outro viam aquilo que cada um sonhava ver…
Como sempre, em histórias de encantar, sem muito se saber explicar, não se sabendo como nem porquê, um dia, a princesa desapareceu do lugar! O príncipe, que a nada assistiu, mas que do seu reino tudo sentiu, em busca da sua princesa partiu! Sem ela, o seu reino não fazia sentido! Sem ela, o seu viver nenhum sentido fazia!...
Na sua incansável demanda pela princesa, iluminado pelo fogo da sua paixão acesa, o príncipe corajoso mas não belo encontrou um enorme e assustador castelo, guardado com unhas, fogo e dentes por enormes dragões prepotentes! Pelejando, lutando bravamente, os dragões no chão prostrou e vencido este perigo audazmente o príncipe vitorioso no castelo entrou!
Correndo, arfando e gritando, chamando pela sua doce princesa entrou num salão iluminado por uma estrela e no centro da constelação estava ela… Sorridente, esbelta e indiferente a todos os outros príncipes presentes e a mais àquele que acabava de entrar! Ele era apenas mais um, tão-somente, era apenas um príncipe de brincar…
Ele tinha inventado um reino apenas para a ter como sua princesa mas, na verdade, nua e crua, nem ele era um príncipe, nem ela era sua…
PELA MANHÃ... Abri a porta, saí para a rua e fui recebido pela manhã, que se me oferecia completa, por inteiro, sem reservas nem compromissos, que me sussurrou emoções e acariciou a pele, na suave brisa do seu sopro, que me inebriou os sentidos com um perfume feito lume, incendiando-me por dentro e adocicando-me, por fora daquilo que ninguém via mas que eu deliciado sentia…
A manhã fez-se minha, enrolou-se no meu corpo e deu cor mel ao meu olhar, e eu fiz-me seu e fui apenas mais um ser feliz a contemplar o céu…
Abri a porta, saí para a manhã e abracei a rua que se me oferecia no melhor de si, e sorri…
NO BANCO DE JARDIM... Cheguei… e no banco do jardim, sob a sombra fresca da manhã de Primavera, já tinhas chegado antes de mim, já lá estavas sorridente à minha espera e, generosa, como apenas a felicidade sabe ser, permitiste que junto a ti me sentasse…
Falámos de tudo, sem nada falarmos, e ali estivemos juntos sem nunca nos tocarmos, enquanto o tempo quis…
Depois, o infinito tempo em tempo finito se fez, no deambular do compasso horário, e partiste sem partir, e eu fiquei, sem poder ir no encalço da sombra que a fantasia do arvoredo desenhou nos meus olhos…
Não entristeci na tua partida, apenas fiquei, saboreando o momento da minha chegada, aquele em que já lá estavas!
O TEU PERFUME O teu perfume é diferente de todos os perfumes… perdura e percorre o tempo, perfura dolorosamente cada momento e afecta afectos, povoa a memória com saudade, tem o poder de marejar os olhos, de afogar a fala, de obstruir a garganta, de devorar a distância e, mesmo assim, perfumar…
O teu perfume persiste porque, apesar de estar longe, ainda existe, porque se expande e agiganta, criando raízes que alastram e bifurcam, porque é diferente de todos os outros, renasce a cada dia que passa e agarra-se à vontade de não partir, de existir, no doce sabor que liga tenazmente a criança que é à criança que deveria ter sido…
O teu perfume é diferente porque tem partículas da tua pele, porque é o aroma do teu corpo, porque faz chorar de solidão, porque faz sorrir em doce emoção!
O teu perfume é diferente porque nunca me permite ser de mim ausente! Autor: Vítor. C Imagem: Google
AMAR-TE... (Para o Dia dos Namorados no Brasil) Amor… mar, amar, amar-te, aqui ou em Marte, em qualquer parte, imaginar-te, apreciar-te, contemplar-te, desenhar-te, pintar-te, embelezar-te, esperar-te, olhar-te, falar-te desejar-te, agradar-te, conquistar-te, abraçar-te, beijar-te, arranhar-te, amar-te, cansar-te, fatigar-te, entregar-te, presentear-te, eternizar-te!!! Adorar-te, realizar-te, venerar-te com arte! Enfim, sonhar-te!
Autor: Vítor. C Imagem: Fuente del Idilio del Amor - Charlotte Yazbek
AMIGA Amiga, os teus ombros são conforto de outros ombros, os teus lábios são orações de paz e os teus olhos choram amavelmente a tristeza de olhos alheios; tens palavras de ânimo e coragem e ofereces confiança como feliz e descuidada criança; tens para os outros a alma inteira, acalentas os sonhos do teu próximo e inventas tempo no tempo que não tens para seres mais do que amiga de sempre mais alguém!
Tu que tens no bornal palavras lindas e semeias pássaros de esperança na amargura, que te entregas como água, que rejeitas como fuga a loucura mas que foges de ti mesma sem o conseguir, diz-me por que não sabes com felicidade sorrir, nem dizer salmos de esperança quando sentes de ti o chão fugir!?
És bela, por assim seres, amiga! És de alguém imenso oásis salvador, amiga, eremita e pastor, ramo de laranjeira em flor que para todos tens amor mas que sem ele vais vivendo, sempre nos lábios um sorriso e teimosa uma lágrima escondida nos despojos que levas desta vida! Vitoriosa ou vencida, mas jamais comprada ou vendida!
PALAVRAS COMO PEDRAS Quero atirar com as palavras, como se fossem pedras incandescentes, a todas as portas fechadas, nem que seja só para ouvir o ruído surdo do trancar do ferrolho e do fechar apressado das cortinas opacas!
Quero gritar alvoradas às largas avenidas de multidões adormecidas, perdidas em monólogos soturnos de existências egocêntricas e egoístas, nem que seja só para ouvir o arrastar dos passos em fuga e o murmúrio cobarde das vozes medrosas!
Quero juntar, no mesmo navio, todos os lutadores tatuados com o ramo de oliveira, marginais do meu tempo, crentes absolutos da vida térrea total, incansáveis seguidores da Sinceridade e da Paz, nem que seja só para ouvir o escárnio mesquinho da solidão e o piar fugidio de uma pomba!
Não!!! não sorrirei só porque tenha que sorrir nem chorarei só porque deva chorar; e não diferenciarei as pessoas pela cor dourada dos botões das suas camisas nem pela quantidade das moedas nos bolsos tilintantes!
Por muito vazio que navegue o meu navio, vou continuar a lutar a hipocrisia, o desdém e o fechar de olhos à violência da piedade, nem que seja só para ouvir, de cada garganta, uma gargalhada desprezível; nem que seja só para sentir que me pisam e atravessam como ser invisível e me cospem na cara a histeria milenária da civilização do Homem como Ser Superior, onde os párias, como eu, são lançados às feras!
Nem que seja só para lutar contra as feras vou inquietar-vos, cómodos escravos do Nada e do Artificial, com as minhas palavras simples, mas firmes e só me calarei e deixarei de assim ser quando os meus olhos se fecharem para morrer!!! ...e, nessa altura, podem crer, não estarei só!!! Autor: Vitor. C Imagem: Google
BASTA AMAR! Não mortifiquem dores nem mitifiquem nomes, tudo é pesado na mesma balança!... Logo à nascença, somos escravos do Tempo, somos filhos da Esperança, somos membros de um só corpo! A só nós pertence o gesto, a só nós pertence o ardor e, em cada mão fechada, haverá sempre um pouco mais de Amor! Não decretem mais limitações, já somos tão limitados: -- um só planeta; -- uma só Lua; -- um só coração, para tanto Amor... não contem os dias como números, não corram em direcção ao Nada, não esqueçam nem desviem o olhar, não mordam imprecações de impaciência, a nossa força está na continuidade do Sangue: por cada um que caia haverá, sempre, outro que se levante até‚ chegar à Terra-Sem-Nome, onde as armas e os relógios ficarão à porta! não, não mortifiquem nem mitifiquem, basta Amar!...
PRECIPITO-ME... Precipito-me como chuva, caio a pique, atiro-me de cabeça em queda livre, em vertigem, sem cálculo, irracionalmente, como um pingo de água, com mágoa, em aproximação ao chão, concluindo o voo, separando-me de mim em múltiplos outros…
Precipito-me como água, líquido, transparente, quente, salgado, inodoro, silencioso, perfuro a terra, em direção ao Mar…
VEM COMIGO Vem comigo ouvir as estrelas nas noites em que não as vemos, esperar que as manhãs cheguem nas horas em que não findámos nelas, cerrar os olhos e ver cometas redesenharem o céu e tremular a luz das velas em azul cobalto no agitar das sombras irrequietas na parede do nosso quarto.
Vem comigo molhar os pés na água do mar e entender o que ele nos diz, rebolar como o vento pela areia solta da praia e perfumar o cabelo com algas, chapinhar pedras nas ondas e contar por cada salto um sonho, absorver o poente e esperar o nascente, contando histórias desconhecidas, inventando todas as palavras de todos os sentimentos que as esperam.
Vem comigo fazer uma linda viagem pelo Universo, dar o sentido do maravilhoso a mais um intenso verso e descansar desta eterna viagem nos braços que nos aguardam com um sorriso e um abraço na bagagem.
NUCLEAR Estavam ali todas as cores de pele, todos os idiomas, crenças e ideologias, frente a frente, de armas atiradas ao chão, num diálogo de olhares humanos, numa interrogação tardia do Futuro.
Exaustos e ensanguentados, ali estavam, olhando a estupidez muda das valas comuns que, eles próprios, tiveram de abrir. Por sob os escombros dos prédios abatidos apareciam mãos, crispadas de agonia e dor, sem que alguém as conseguisse salvar.
No céu, cinzento de pós químicos e saturado de bactérias mortais, reinava um silêncio final: por fim, tudo terminava em silêncio, sem ameaças ou explosões…
Todos eles compreendiam, naquele momento, que apenas lhes restava o tempo suficiente para viver as lágrimas, que eram iguais em tudo às suas, daqueles que, como eles, destruíram loucamente o equilíbrio bambo existente na Terra.
Tudo, agora, podia recomeçar de novo: -- um homem, uma mulher, um pomar, um jardim, e, quem sabe?, um Abel e um Caim…
ANDEI POR AÍ... Andei por aí… afagando memórias, apagando passos de menino, sorvendo o aroma de flores esquecidas, tentando reconciliar-me, resgatar sonhos e fantasias perdidas no tempo, recuperar e sarar uma parte que ficou presa junto a um portão por um fio de sofrimento, assustada com ciprestes e tranquilizada pela paz dos presentes, como almas protetoras…
Andei por aí… calcando e recalcando o passado, pontapeando o pó dos tempos, subindo e descendo colinas de amargura, olhando para quem fui com a saudade de nunca ter sido quem deveria ser, libertando dores, relembrando prantos e castigos, chorando raivas, soltando os cães irados adormecidos em mim, libertando aquele que apenas eu poderia libertar!
Andei por aí… esfregando urtigas, engolindo pimenta, não bebendo o leite que seria para mim, esperando no escuro da noite, a mão que chegou tardia e o eterno anseio do abraço que nunca existiu!
Andei por aí… resgatando o que para trás ficou, preenchendo os vazios da alma, vitoriando as minhas derrotas, pretendendo-me um ganhador, ganhando apenas a dor perdida nos limites de limites improváveis! Andei sozinho mas não só…
Andei por aí… aprendendo que não há vitórias sem que algo se perca!
QUE COISA É ESSA..? Que coisa é essa que vai germinando no pequeno vaso da minha varanda, que vai crescendo, ganhando vida, furando a terra e ficando mais forte?
Que coisa é essa que vai florindo, e do meio do nada para mim vai sorrindo, e se oferece em flor numa dança sensual aos olhos das andorinhas que deliciadas a sobrevoam?
Que coisa é essa que me impede que desfaleça, que me sustem e me ampara a cabeça, que não permite que o sonho adormeça, que me percorre e o meu todo atravessa?
Que coisa é essa que vai nascendo assim tão depressa? Que coisa é essa que me faz feliz sem que eu lhe peça?
O QUE ANDASTE A FAZER...? O que andaste tu a fazer por dentro e por fora de mim…
que tudo deixaste desarrumado e fora do seu lugar, o meu ritmo cardíaco alterado, os lençóis enrugados e uma paisagem distante no meu olhar?... que me escreveste do fim para o princípio como se eu fosse uma tua história, que me desgrenhaste os cabelos, tatuaste a minha ansiosa pele e te assenhoreaste da minha memória?...
que desbravaste o caminho até mim serenamente de olhos vendados, sem bússola, nem mapas, nem guias e no meu corpo derramaste rios e oceanos inundando poros nunca dantes navegados?...
O que andaste tu a fazer que alteraste o calendário e os dias, a tabela das marés e as fases da lua, o ciclo da água e fotossíntese das flores, o sentido de rotação dos astros, a teoria da formação das cores e o sentido de orientação dos meus passos?...
O que andaste tu a fazer para que eu queira tanto renascer?
A VERDADEIRA HISTÓRIA DA CIGARRA A cigarra, cegarrega, nem todo o pássaro pega, tem imenso talento mas também tem emoção e sentimento e, no longo Verão, ela cuida das coisas do seu coração…
O macho canta a canção, a fêmea certa vai ouvir, e, no fim da relação, suas ninfas vão florir, repousar no calor da terra que as vai proteger, amar e fazer crescer metamorfosear e renascer…
Num acto de devoção, a fêmea oferece sua vida com Amor e emoção, sem forças mas decidida, às vidas que faz nascer sabendo que o fim da vida será a sua coroação, rainha mais que querida!
Um dia a ninfa faz-se cigarra, um dia a ninfa faz-se Mulher, e nem é preciso uma guitarra para o macho que aparecer, basta que ele saiba cantar toda a canção que ela quer, com devoção, sem causar dor, lhe dê prazer, lhe dê Amor…
SENTE-ME... Deixa-me perder a minha mão na tua e sente-me, como amigo, como amante ou de uma outra forma qualquer mas não me digas nada, deixa as palavras para o vento as levar, olha para mim e sorri, vê em mim quem gostarias de ver, idealiza-me a teu bel-prazer, ouve de mim as palavras que não sei dizer, mas deixa a tua mão na minha sentir que não quereria outra agora…!
SEREIA Serei o momento, serei o caminho e o tempo de que a vida se quiser fazer… Serei o prazer, serei o sorriso e o cansaço em que soubermos transformar o amor… Serei o fervor, serei a chama e o refrão com que as manhãs docemente te acordarão… Serei as mãos, serei o colo e o amparo, a carícia, a espera e o afago… Serei a voz, serei a ternura que te segredará e que te fará sentir não estares só… Serei o teu diário, serei o teu amante, amor e amigo, serei um teu rio, um teu sonho, o teu abrigo e aquele que em ti se enleia e ateia…!
PRECE Mãe Natureza! Mãe Natureza! Faz de mim uma fortaleza! Dá-me o privilégio de ser um vencedor, com ou sem dor, ser de ti um esplendor, um dos teus filhos maior aquele que te faça feliz por me ter!
Mãe Natureza! Minha Mãe! Lava-me a alma com o teu olhar, limpa-me as mágoas e o pesar, ensina-me a amar! Dá-me a arte e o engenho que eu perdi no caminhar, dá-me tudo o que não tenho e que só uma mãe sabe dar!
Mãe Natureza! Querida Mãe! Aqui estou, de novo, a teus pés, carente eterno do teu sorriso, aconchegando-me no colo maternal que me recebe sempre que eu preciso, me dá alento e me faz imortal, enquanto o irmão tempo assim quiser!
Aqui estou, uma vez mais, Mãe… esperando a tua bênção, Mãe…
A TUA VOZ A tua voz serena, amena, morna e doce, como se apenas fosse um raio de Sol quente pousado na minha fria alma, calma, suavizando o meu olhar, afagando a minha pele, embelezando-me os sentidos, percorrendo cada canto meu, fazendo sentir-me seu, e encantando-me na voz de plebeia, que de mim faz um seu súbdito sendo eu uma colcheia na melodia, no acalanto, onde me reinvento e suplanto!
A tua voz serena o instante, e, em vermelho apaixonante, despe-se de segredos, reverencia a quietude e repousa o corpo que a abriga, generoso anfitrião, que em silêncio convida a vida a fazer-se sentida e eu, convidado e amado, sinto-me abençoado e sereno na serena voz que se fez nós…
SOU EU! Sou eu o predileto, o escolhido, para falar o doce dialeto das sensações que transbordam dos oceanos em agitações sub-sensoriais sempre tão imponentes mas nunca iguais!
Sou eu aquele que vive a viajar em sobressalto esperado sentindo o vento perpassar-me tentando derrubar-me, como eu fosse uma árvore com a ramagem a agitar!
Sou eu o que viaja e sonha, aquele que tem uma ponte escondida no nevoeiro para na viagem a atravessar, de extremo a extremo, onde há uma dança para dançar e uma ilha para descobrir!
Sou eu o viajante, o errante, o que erra no caminho e no erro se descobre! Sou eu!
COMO SE ESTIVESSES AQUI... Como se estivesses aqui acordei e afaguei o outro lado da cama, tentando sentir o calor, a forma e a chama, o sabor e o odor que o teu corpo segrega e a que nunca se nega…
Decorei a mesa em singelo e dobrei a dose da manteiga na superfície generosa da torrada que, num delicioso apelo, se espalhou em suave seiva no quente da madrugada…
Falei, ri, brinquei, os mesmo rumos eu planeei, enfeitei o momento com uma valsa, viajei pelos sonhos matinais, reguei os canteiros de hortelã e salsa e entendi os pássaros como jograis…
Depois, o dia foi passando, a água nos rios foi deslizando, o vento foi virando as folhas no chão, o sangue foi partindo e chegando ao coração e um novo poema eu escrevi como se estivesses aqui…
VAMOS SONHAR UM POUCO... Para que tudo possa começar, vamos escolher um local para viver, um local bom para poder habitar, poder ser feliz e não ter que apenas sobreviver. Vamos, então, escolher um planeta. Tem que ser um planeta acolhedor, nem muito frio, nem muito calor, onde a água flua livre pelo rio e a luz nos permita distinguir a cor.
Pode ser aquele ali, a três passos de uma estrela a que todos chamam Sol, aquele que tem uma namorada bela a que todos chamam Lua mas que o planeta diz ser sua, que nunca se afasta dela, ela que o acaricia com claridade nos momentos mais escuros do escuro da sua eternidade!
Pode ser mesmo esse planeta azul que, tudo o que precisamos, parece ter, ar para respirar, água para beber, comida em suficiência para viver, espaço para partilhar, um céu para nos lembrar do quão pequenos somos, animais e Natureza para respeitar, aproveitando o sopro de vida fugaz para todos vivermos em Paz!
Vamos, então, um pouco sonhar e pousar os pés nesse planeta maravilhoso que nasceu para nos esperar, e, como anfitrião puro e bondoso, apenas teremos que nunca o desrespeitar.
Sonhemos, sonhemos que vivemos nessa linda onomatopeia a que um dia mais tarde chamaremos Pangeia!
O MELHOR POEMA O melhor poema habita nas palavras que não são ditas!
As palavras no intervalo entre silêncios, no espaço entre dois gestos em dessincronizados movimentos, nos eclipses siderais que entardecem o momento, do encontro entre olhares que falam, que exaltam a vida!
O melhor poema abraça os sussurros segredados, os gemidos sem fonemas vestidos de amor e prazer, de dádiva e de partilha, os sons de uma melodia que ligam a noite ao dia, o ranger das rodas do tempo que acompanham o erótico desenho, das sombras chinesas projectadas nas paredes, onde ficam arquivadas as marcas do suor dos corpos a elas encostados!
O melhor poema descansa na linha do horizonte onde se casam o céu e o mar, onde as montanhas se elevam altivas e poderosas como um altar, onde as planícies se espraiam e pintam quadros irrepetíveis!
O melhor poema não chega a ser escrito pela pena, extensão dócil na mão do poeta, reside em si próprio e aguarda eternamente que alguém melhor o defina.
O melhor poema é a vida, são os seres que nela se deleitam, e aquilo que as liga e que fazem dela o que de melhor elas têm e são com sangue e fervor!
FANTASIA Com a mão direita, pegou no lápis da imaginação e, com a outra mão, segurou firme um esquadro de vento que guardava, secretamente, num baú antigo. Riscou um segmento de recta no chão e, logo, uma perpendicular. Olhou, criteriosamente, o resultado. Contemplou a beleza do traço e mediu o ângulo interno. Tudo estava conforme as regras, mas não gostou! Riscou outro segmento. Outro e, ainda, outro! Sem qualquer discernimento, cruzou linhas sobre linhas e traços sobre traços. Até que o lápis da imaginação se esgotou. Com tanta linha cruzada, sentia-se preso! Com a mão direita, segurou firme a outra mão e saltou para fora do livro de banda desenhada, guardada na estante da sala.
NEM TODOS SABEM LER SORRISOS... Tenho uma fotografia… uma já antiga que é muito minha amiga pois, sempre que nos encontramos, sorrimos e os amigos sorriem… O olhar fala e brilha e contamos o que nos vai na alma, em silêncio, pois é no silêncio que nos entendemos. Já nos conhecemos tão bem, há tanto tempo… A minha amiga fotografia existe por uma razão que se mostrou ser um sonho apenas, foi a razão do coração, uma daquelas que a própria razão não conhece… O sorriso e o brilho do olhar tinham esperança e alegria e tinham, também, um destinatário que nunca mereceu a dádiva da fotografia, nem soube da existência dela, uma vez que, no seu olhar, eu sempre fui uma ausência de mim e, assim, nunca a chegou a receber, nunca sabendo se ficou a ganhar ou a perder…
TENHO MEMÓRIAS ESPALHADAS, POR AÍ... Tenho memórias espalhadas, por aí… em qualquer lugar guardo memórias, qualquer algo é, em si, memória e, nesse algo, eu existo.
Tenho memórias espalhadas porque as planto como se fossem sementes que me reinventam todos os dias, sempre que as rego com o olhar.
Colho uma memória, agora, e, outra, noutro momento, ao sabor do que provo e sinto e gosto de cuidar delas, mantê-las frescas e viçosas, como os legumes de um quintal que não tenho e, em sua honra, alimento-me delas!
Lembram-me que já antes existi, que, em cada momento que passou, ficou uma parte de mim e avisam-me que a cada novo compasso um outro eu despontará, talvez menos fresco e viçoso mas melhor preparado e mais forte!
Quero findar-me com elas, quero dar o último suspiro com a última memória! Para quê uma vida se não tiver memórias plantadas que me alimentem?